Brasília do rapper ao ministro
A edição especial da PROJETODESIGN, comemorativa do cinquentenário da inauguração de Brasília, apresentou uma seleção dos 50 projetos mais significativos construídos na capital ao longo dessas cinco décadas. Trata-se de uma escolha que abrange desde o Catetinho, o primeiro prédio erguido na cidade, até a nova sede da Assembleia Legislativa do Distrito Federal, que ainda não foi inaugurada. Esse apanhado vai além das obras de Oscar Niemeyer - que, como não poderia deixar de ser, é o profissional com mais trabalhos destacados, assinando 15 deles. Para a publicação, esse conjunto de edifícios foi fotografado recentemente por Leonardo Finotti, que já olha com intimidade para a cidade, onde trabalhou mais de 20 vezes nos últimos cinco anos. Uma familiaridade que lhe permite descobrir ângulos impensáveis. E foram esses ângulos inusitados que escolhemos para levar ao leitor as obras clássicas - os principais prédios da cidade, como o Congresso Nacional e a catedral. São imagens diferentes daquelas costumeiramente publicadas. Ainda nesse universo, alguns edifícios são mostrados em detalhes expressivos, como a escada do Itamaraty e a fachada lateral do Ministério da Justiça. No grupo há também prédios menos famosos, mesmo entre os arquitetos: quem conhece, por exemplo, a Escola Francesa, desenhada por Niemeyer? Ou ainda o Estádio do Gama, de Ruy Ohtake, e o Pavilhão Anísio Teixeira, de Cláudio Queiroz? Essas fotografias são acompanhadas de depoimentos, colhidos, num esforço de reportagem, por toda a equipe de redatores de PROJETO DESIGN. Com isso, fomos em busca do lado humano - não necessariamente arquitetônico - dessas obras, facetas escondidas por trás dos espaços e incomuns nos textos de análise teórica. São memórias recuperadas em episódios históricos, engraçados, emocionantes ou reflexivos acerca dos 50 edifícios. Eles surgem nas múltiplas vozes de arquitetos, paisagistas, iluminadores, jornalistas, artistas plásticos, diplomatas, entre outros. Enfim, há depoimentos que vão do rapper ao ministro. Com isso, prestamos uma homenagem aos habitantes da capital, brasilienses ou não, e aos profissionais que construíram e ainda constroem a cidade. Afinal de contas, goste-se de Brasília ou não, e independentemente dos escândalos políticos (destes com certeza ninguém gosta), a vida pulsa por trás daquelas paredes.
Catetinho (1956) - Oscar Niemeyer
"Brasília roubou uma parte da minha infância. Quando eu tinha cinco anos de idade, meu pai, Roberto Magalhães Penna, partiu para a futura capital federal, onde participaria da construção do Catetinho, do sistema viário e do aeroporto, entre muitas outras obras. Ele era dono de uma empresa de engenharia, homem exuberante e aventureiro que não hesitou em aceitar o convite de Juscelino Kubitschek para participar daquela empreitada. Muitos anos depois, quando meu pai já não mais vivia com a família, ao organizar alguns negativos descobri uma foto dele junto com Oscar Niemeyer e outras pessoas, um registro feito durante a construção do Catetinho. E então pensei que, como me privara do convívio com meu pai, Brasília tinha uma dívida grande comigo."
Gustavo Penna, arquiteto
Palácio da Alvorada (1956) - Oscar Niemeyer
"Com 14 anos, em 1959, viajei de penetra para Brasília junto com meu pai, Ícaro de Castro Mello, num grupo organizado pelo IAB, reunindo alguns dos mais importantes arquitetos paulistas da época. Fomos a bordo de um valente DC3 da Real Aerovias, e ficamos hospedados no Brasília Palace Hotel, que era um verdadeiro oásis em meio ao planalto. Fomos recebidos no Palácio da Alvorada pelo próprio Juscelino Kubitschek, que fez questão de acompanhar a visita toda, mostrando a construção em detalhes. Ao final, ele se despediu e embarcou em um pequeno helicóptero. Na decolagem, a hélice provocou uma ventania, e a terra vermelha de Brasília impregnou os elegantes ternos de linho branco do meu pai, de João Cacciola, de João Clodomiro, de Eduardo Kneese de Mello e de muitos arquitetos paulistas."
Eduardo de Castro Mello, arquiteto
Brasília Palace Hotel (1957) - Oscar Niemeyer
"Era o máximo de contraste que poderia haver em Brasília naqueles anos pré-inauguração: de um lado, a cidade da candangolice, pura terra batida; de outro, o Palace Hotel era primoroso, sofisticado até. Tinha champanhe, rouparia de linho corde- rosa, almoços e apresentação de cachorros do Country Club, além de shows na boate da sala dos azulejos azuis, feitos pelo Athos [Bulcão]. Boate era coisa para adultos; quando eu ainda não tinha 21 anos consegui entrar com a ajuda do meu marido e assisti à apresentação de Caetano Veloso, em Sem lenço, nem documento. Se é que tinha alta sociedade em Brasília, era lá que ela se reunia. Ajudei a restaurar o hotel, contando como eram os móveis, as paredes. As circunstâncias do incêndio? Foi sempre um mistério, nunca explicaram direito o que aconteceu.”
Betty Bettiol, artista plástica
Torre de televisão (1957)
Lucio Costa
"Eu mostrava a um sobrinho de Brasília os croquis ilustrativos da memória descritiva do Plano Piloto e quando ele se deparou com o croqui em que aparece a torre - exatamente como ela é - perguntou, entre surpreso e curioso: ‘Mas esse desenho foi feito antes?!’. Olhando para o projeto de Brasília em termos, digamos, musicais, este detalhe revela como a presença da torre na ‘partitura’ da capital era importante para Lucio Costa: o Eixo Monumental tem duas ‘técnicas’, o prédio alto do Congresso Nacional no extremo leste e a torre de TV no extremo oeste - entre ambos, o silêncio verde e contínuo do canteiro central da Esplanada e a meio caminho a presença vazada e leve da plataforma rodoviária, no cruzamento dos dois eixos. Acredito que foi essa a razão de Lucio ter assumido o projeto de arquitetura da torre - deve ter temido que, se fosse adiado, havia o perigo de não ser feito na escala devida. Assim, a base de concreto foi erguida desde logo e aguardou algum tempo até receber a estrutura metálica e começar a funcionar."
Maria Elisa Costa, arquiteta
Palácio do Planalto (1958) - Oscar Niemeyer
"Eu invadi o Palácio do Planalto sem perceber. Era 1985, e o presidente eleito Tancredo Neves agonizava num hospital em São Paulo. Eu namorava com um jornalista do Estadão, e junto com outros repórteres cercávamos o Palácio do Jaburu, residência do vice-presidente. Foi então que chegou a notícia da morte de Tancredo. Momentos depois, José Sarney e comitiva saíram de carro em direção ao Palácio do Planalto. Foi um alvoroço, com todos os jornalistas correndo atrás. Nem sei como nós saímos na frente, chegamos antes ao Planalto e simplesmente fomos entrando. A ditadura também agonizava e na Brasília de então foi possível simplesmente entrar no gabinete da Presidência, sem que ninguém nos impedisse. Não havia ninguém lá. Ainda esperamos alguns minutos até que, seguido por uma legião de repórteres, Sarney aparecesse para dar curso àquele período tão dramático da história brasileira."
Sylvia Ficher, arquiteta
Supremo Tribunal Federal (1958) - Oscar Niemeyer
"Nunca contei este episódio para a imprensa. Durante o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, eu estava presidindo uma sessão no STF que avaliava um mandado de segurança da defesa. Argumentos expostos, íamos passar aos debates quando o diretor geral do Supremo, Sebastião Xavier, veio me comunicar que ligações anônimas para os gabinetes de dois ministros avisavam sobre a existência de uma bomba no plenário, que estava completamente tomado - até minha mulher e minha filha, que nunca haviam comparecido a uma sessão, nem mesmo quando trabalhei em São Paulo, estavam ali. Fiquei extremamente apreensivo. Se adiasse a sessão, poderia levantar a suspeita de estar colaborando com a defesa; se prosseguisse, muitos poderiam ser vítimas do atentado. Como estávamos no meio da tarde, a solução que encontrei foi antecipar o horário do lanche dos ministros. Com isso, o plenário se esvaziou e pedi ao Xavier que solicitasse à Polícia Federal uma varredura no local. Felizmente, a bomba não existia. Em casa, à noite, contei o ocorrido para minha família. ‘Pai!?!’, reagiu minha filha, com perplexidade. Minha mulher, mais calma, não falou nada. Mas me olhou como se eu fosse maluco."
Sydney Sanches, ex-presidente do STF
Catedral (1958) - Oscar Niemeyer
"A catedral de Brasília parece feita de dedos unidos em forma de prece e tem uma leveza arquitetônica inacreditável. Eu acho que os edifícios de Niemeyer em Brasília são em geral bem resolvidos, mas a catedral é de todos o mais leve, o mais emocionante. Nela se entra como se déssemos um grande mergulho no escuro. A transparência é a escala de sua leveza, os vitrais deveriam funcionar como janelas que são, anteparos por onde passa a luz. Não importam a cor e o desenho dos vidros, deve haver luz dentro e fora da igreja, senão os vitrais se transformam em paredes, ficam mudos. Fiz o teste de iluminação uma vez, quase ninguém viu, e a catedral pareceu leve de novo. Que trecho iluminei? Tanto faz, ela é redonda!"
Peter Gasper, luminotécnico
Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958) - Oscar Niemeyer
"Athos Bulcão acreditava na existência do diabo, a quem creditava boa parte das obras de mau gosto, estilo preguiça pós moderna, que foram aparecendo em Brasília. ‘O diabo mora na ignorância’, costumava me dizer, sempre sarcástico. Mas era um católico dedicado, frequentava semanalmente a igrejinha de Oscar. Os azulejos azuis que ele desenhou para lá são um espetáculo. Repare como Athos nunca errou. Era, para os arquitetos, como o compositor Nino Rota nos filmes de Fellini, ora silencioso, ora um grande solista. A igrejinha é perfeita, tem a horizontalidade das melhores obras de Oscar e o deslumbramento do trabalho de Athos. Parecem ter nascido juntos."
Marcus de Lontra Costa, crítico de arte
SQS 107/108 (1958) - Oscar Niemeyer
"No início da década de 1960, com 11 anos, vivi um tempo em Brasília com meu avô Cândido Motta Filho, que era ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele morava na 307, em uma superquadra desenhada por Niemeyer - até os móveis eram projeto dele -, num edifício com outros ministros do STF. Quase não havia prédios nas superquadras - a Norte nem existia - e do apartamento podíamos ver o lago. A maioria das lojas ficava na Cidade Livre, e lá íamos fazer compras com o Josué, o motorista de meu avô, que morava numa superquadra pertinho de nós. Nessa época frequentei lugares especiais, como o Alvorada. Nadei na piscina do palácio, e um detalhe de que me lembro até hoje é o friso dourado no azulejo azul, próximo da borda. O presidente Jânio Quadros não gostava de ficar sozinho e várias vezes nos convidava para assistir aos filmes do Gordo e o Magro no cinema do Alvorada. Nunca mais voltei a Brasília. Tenho medo de me decepcionar."
Guilherme Motta, arquiteto
Teatro Nacional (1958) - Oscar Niemeyer
"Estava em Brasília por motivos pessoais e naquele sábado, à noite, iríamos à apresentação do grupo Corpo, no Teatro Nacional. À tarde, resolvi mostrar a minha filha adolescente o edifício, que eu conhecia de um corte em uma revista. Como o teatro estava na fase final de obra, entramos por um acesso secundário e fomos nos embrenhando, subindo, subindo. Quando dei por mim, estávamos perdidos num local com pouquíssima luz, desorientados, incapazes de encontrar o caminho de volta. Só restava continuar em frente, e acabamos achando uma saída, mas ela dava na cobertura. Para não termos que encarar novamente a construção por dentro, a solução foi descer pelo exterior da fachada, que felizmente tinha uma inclinação possível de enfrentar. À noite, recompostos, voltamos ao teatro para o espetáculo. Dessa vez, porém, fomos pela entrada oficial."
Decio Tozzi, arquiteto
Congresso Nacional (1959) - Oscar Niemeyer
"No aniversário de 40 anos do Masp, fui contratado pela editora Abril para desenhar o espaço de uma exposição chamada Epopeia Editorial, que rodou o país. Em Brasília, ela foi montada no Congresso Nacional. Certo dia, antes da inauguração do evento, fui com a equipe almoçar no Piantella, famoso restaurante brasiliense, e tomamos algumas garrafas de vinho. Antes de voltar para o trabalho, passamos na catedral. O espaço é fascinante. Quando estava saindo, bati a cabeça na parede, naquele trecho do túnel escuro. Meu fim de tarde não foi no Congresso: acabei o dia no Hospital de Base - aliás, também esenhado por Niemeyer. Saldo da história: levei oito pontos. A arquitetura de Niemeyer, literalmente, abriu minha cabeça."
Márcio Mazza, arquiteto
Rodoviária (1957) - Lucio Costa
"Participei do concurso de Brasília na equipe de Artigas, que, depois do resultado, me apresentou para Oscar, para eu trabalhar na Novacap. Mas a burocracia era muito grande e o meu contrato não saía. Minha mulher, que era primeira bailarina do Municipal do Rio, foi se apresentar em Nova York e lá recebeu um convite para ser a primeira bailarina do American Ballet Theatre. Ela me ligou e eu disse: ‘Aceite’. Eu estava na Cinelândia, fazendo hora para o meu voo, quando encontrei Oscar. ‘Seu contrato saiu’, ele me disse. Tarde demais. Mais uma vez Brasília escapou das minhas mãos, e fui para Nova York. Na volta, três anos depois, passamos em Caracas e voamos para Brasília. Um táxi nos levou até a rodoviária e paramos para ver o Eixo Monumental. Naquele momento, comecei a chorar. Pela primeira vez fiquei feliz por perder um concurso."
Ubyrajara Gilioli.
Ministério da Justiça (1962) - Oscar Niemeyer
"Na fachada do prédio do Ministério da Justiça existem algumas cascatas que ajudam a tornar o ambiente um pouco mais úmido, uma vez que a cidade possui clima muito seco. Ainda assim, como na maioria dos edifícios em Brasília, ele possui aparelhos de ar condicionado de janela. Não tenho idéia de quem ocupava o cargo de ministro quando foi instalado um desses equipamentos junto ao gabinete. E ele era imenso, tão grande que se interpunha entre o ministro da Justiça e o presidente da República: impedia que do ministério avistássemos o Palácio do Planalto. Quando fui ministro [de julho de 1999 a abril de 2000], tomei conhecimento de que Niemeyer havia manifestado irritação com essa interferência, mas nunca ninguém fizera caso dela. Decidi, então, em respeito ao trabalho do autor, remover o ar-condicionado da janela e deixar o gabinete ao natural. E sobrevivi ao calor da cidade.”
José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça
Rede Sarah (1960) - Glauco Campello
"Dona Sarah encomendou esse projeto ao Oscar, mas na ocasião ele sofreu um acidente no trajeto Rio - Brasília e me pediu que, como funcionário da Novacap, fizesse o desenho. Fiquei honrado com o convite e me dediquei bastante - sempre ouvindo Oscar. Ao ficar pronto, o prédio foi fotografado por Marcel Gautherot e quando o escultor Sérgio Camargo viu as fotos me elogiou pelos volumes que criei. Após a entrada do médico Aloysio Campos da Paz na direção do Sarah, já depois do governo JK, a instituição começou nova fase. Ele me pediu para fazer alguns acertos, mas, por ser muito ligado ao Lelé, chamou-o para diversas ampliações no conjunto, que hoje toma a quadra inteira. Lelé trabalhou de maneira muito cuidadosa e envolveu meu prédio, hoje chamado de ‘Sarinha’, que, no final, com toda a quadra ocupada, ficou no meio de um pátio. Eu disse ao Lelé que não estava chateado com o resultado. Primeiro, pelo carinho com que tratou meu projeto; depois, porque este acabou como o Tempietto, de Bramante, em Roma, uma das principais obras do Renascimento. Não pela importância histórica, claro, mas porque ambos estão em um pátio, envoltos por outros edifícios."
Glauco Campello, arquiteto
Faculdade de Educação da UnB e Auditório Dois Candangos (1961)
Alcides da Rocha Miranda e Luís Humberto Pereira
"Darcy Ribeiro me levou para ver o Auditório Dois Candangos, porque queria instalar ali 250 poltronas dentro de três semanas. Gesticulou no terreno livre, como se houvesse alguma construção no lugar, e disse que não queria nada pronto, de linha, não era o caso de fazer compras em São Paulo. Eu deveria desenhar e mandar produzir as cadeiras. Fiquei apavorado, mas ele me tranquilizou: ‘Isso aqui é Brasília. Quando você voltar a construção estará pronta’. Voltei numa Semana Santa, faltando três dias para a inauguração. Foi emocionante. Precisei mandar um caminhão - com a faixa ‘A UnB precisa de você’ - trazer os estudantes para a obra. Era feriado, eles vieram."
Sergio Rodrigues, designer
Palácio do Itamaraty (1962) - Oscar Niemeyer
"Há alguns anos tenho guiado colegas em incursões pela cidade. Numa delas, próximo da posse de Luiz Inácio Lula da Silva para o primeiro mandato, acompanhei Ricardo Legorreta. Um dos lugares que visitamos - eu, ele, sua acompanhante e Cecília Souto, embaixadora do México no Brasil - foi o Itamaraty, uma das obras que mais impressionam em Brasília. No terceiro pavimento do palácio, onde estão o jardim de Burle Marx e esculturas de Victor Brecheret, Legorreta sentou-se e ficou observando o horizonte da cidade, pensativo. Sua acompanhante voltou-se para ele e comentou: ‘Que responsabilidade a sua’. ‘É isso mesmo, uma grande responsabilidade’, devolveu Legorreta, que naquela época projetava a Secretaria da Saúde em seu país. Ambos se referiam ao peso que, depois de ter visitado o Palácio do Itamaraty, acabava de ser depositado sobre seus ombros de autor."
Sérgio Parada, arquiteto
Edifício-sede da CNI (1963)
Pedro Paulo de Melo Saraiva e
Paulo Mendes da Rocha
"Fiz esse prédio a pedido de Fernando Gasparian, que era o presidente da CNI.
Eu era muito jovem e convidei o Paulinho para o projeto. A projeção máxima permitida naquela quadra era de 16 por 48 metros. Respeitamos a largura com 16, mas com os brises, de um metro e meio de cada lado, o prédio ficava com 19 metros. O pessoal da Novacap não queria concordar. ‘Só se o Dr. Oscar aprovar’, disseram.
Marcamos um encontro com Niemeyer. Ele viu o desenho e falou: ‘Eu também queria colocar brises nos ministérios. Pode fazer’.
Anos depois trocaram os brises, pois os primeiros não prestavam!”
Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto
Colina (1963) - João Filgueiras Lima (Lelé)
"Em 1964, dirigindo meu Karmann Ghia, eu e minha namorada - hoje minha mulher - fomos de Belo Horizonte até Brasília. Era minha segunda visita. Passamos uma semana hospedados no apartamento de um amigo, William Abdalla, professor da UnB. Ele morava no Colina. Com quatro pavimentos e pilotis, a obra, toda pré-fabricada, me impressionou. Eu já conhecia o escritório do Ceplan, da primeira ida à capital. Um pouco por causa dessas visitas, a industrialização da construção influenciou muito meu trabalho em São Paulo. Na ocasião, William me apresentou Lelé, que também dava aula na faculdade de arquitetura. Fomos até uma agência de automóveis em construção, a Desbrave, que ele estava projetando. Lelé ainda não era famoso e não tinha escritório: desenhava no próprio canteiro de obras."
Sidonio Porto, arquiteto
Banco de Brasília (1965)
MMM Roberto
"Em toda a minha vida, fui à capital federal apenas uma vez, para receber a última parcela referente ao projeto de um anexo que fiz para o Banco de Brasília.
Tentei voltar no mesmo dia, mas não consegui, tive que ficar na cidade e me hospedei na casa de Athos Bulcão.
Desenvolvi o projeto do anexo a distância, no Rio de Janeiro. E a sede do banco é o único projeto do escritório MMM Roberto em Brasília. Eu, no entanto, não gosto da cidade. Ainda garoto, sem saber no que estava trabalhando, no escritório do meu pai, Maurício, e dos meus tios Milton e Marcelo, fiz vários desenhos que eles usaram para participar do concurso da nova capital brasileira. Mas a competição, soube depois, estava com cartas marcadas."
Márcio Roberto, arquiteto
Instituto Central de Ciências (1963) - Oscar Niemeyer
"Quando foi necessário construir o estacionamento sul do Minhocão [nome pelo qual é conhecido o Instituto Central de Ciências - ICC, da Universidade de Brasília], encontramos no terreno o protótipo de um projeto de Oscar Niemeyer destinado à moradia dos estudantes. Ficamos em dúvida sobre o que fazer. Se o retirássemos, poderíamos ser acusados de estar desrespeitando um trabalho do autor; se o deixássemos lá, também seríamos alvos de críticas. No fim, resolvemos manter a construção, que fica entre 1,20 metro e 1,5 metro elevada do solo. Mais tarde, a habitação que Niemeyer desenhou para os estudantes, e que nós decidimos preservar como um testemunho da época, transformou-se, com autorização da reitoria, em barbearia do ICC, sendo também usada como central de cópias."
Paulo Zimbres, arquiteto
SQN 64 (1963) - Sérgio Souza Lima e Mayumi Souza Lima
"Não sei por que, mas essa é a única quadra de Brasília que as pessoas conhecem pelo nome: Conjunto São Miguel. São quatro prédios, com paisagismo de Fernando Chacel, que deveriam ter sido executados em pré-moldados, mas foram construídos com concreto moldado in loco. Por isso, algumas pessoas dizem que Sérgio e Mayumi consideravam o conjunto um filho bastardo. A torre maior é a mais descaracterizada, pois foi detalhada por Hélio Ferreira Pinto. Há pouco tempo, o concreto dessa torre foi pintado. Tentei recorrer ao patrimônio, porque acho que descaracterizou o conjunto, mas em Brasília não existe tombamento provisório: as obras só são protegidas após o processo."
Danilo Matoso, arquiteto
Aeroporto de Brasília (1965) - Sérgio Parada
"Um colega me contou que teve a oportunidade de conhecer Brasília quando a cidade ainda estava em construção. Chegando à capital, ele foi gentilmente recebido pelo próprio Oscar Niemeyer, que, apesar de toda a correria, permitiu que um aluno de arquitetura o acompanhasse em suas visitas aos canteiros. A cada obra que Niemeyer mostrava, meu colega questionava: ‘Mas por que isso é assim? Não seria melhor de outro jeito? E se você tivesse feito assim?’. No final do segundo dia, Niemeyer, já sem paciência, abriu a planta do Plano Piloto e pediu ao jovem que nomeasse cada um dos edifícios que apontava. Meu colega foi respondendo tudo certinho. Por fim, Niemeyer perguntou: ‘E você sabe o que é aqui?’. ‘Sei sim, é o aeroporto’, respondeu o estudante na ponta da língua. ‘Então, se você sabe onde fica o aeroporto, não faça cerimônia. Tem um avião saindo a cada duas horas’, disse Niemeyer, colocando um ponto final à visita."
Sérgio Teperman, arquiteto
Restaurante dos estudantes da UnB (1969) - José Galbinski e Antônio Carlos Moraes de Castro
"José Galbinski me contou uma história engraçada sobre o projeto dele para o restaurante universitário da UnB. Era final da década de 1970 e ele ficou surpreso ao saber que os participantes de um congresso de portadores de necessidades especiais estavam elogiando muito o projeto. O que se comentava é que o restaurante era o único lugar do campus que permitia aos cadeirantes se locomover livremente. Galbinski ficou com a imagem de um arquiteto engajado naquela causa. Só que ele me confessou que essa imagem era totalmente desconectada da motivação: em nenhum momento ele havia pensado nos cadeirantes quando projetou aquelas rampas. Isso mostra que a arquitetura tem um potencial que vai além das intenções do arquiteto."
Emília Stenzel, arquiteta
Palácio do Buriti (1969) - Nauro Esteves
"Para receber no Palácio do Buriti o general Alfredo Stroessner, então presidente do Paraguai, o cerimonial de Brasília contratou o melhor serviço de buffet da cidade. O cerimonial era comandado por Aimé Alcebíades Silveira Lamaison e minha mulher fazia parte de sua equipe. Assim como todos os ingredientes do banquete, os graúdos camarões que faziam parte do menu estavam no segundo andar do palácio, onde ocorreria a recepção, quando o gás acabou, antes que eles estivessem completamente fritos. Para desespero do cerimonial, o elevador por onde viria o botijão substituto quebrou e não houve jeito de conseguir abri-lo. Resultado: os camarões foram servidos meio crus, al dente. Ninguém pareceu ter notado. Talvez tenham pensado tratar-se de uma nova receita."
Alfredo Gastal, arquiteto
Edifício Eldorado (1969) - Éolo Maia e Alvimar Marchesotti Machado
"Projetamos em Brasília o Colégio Pré-Universitário, obra executada pela construtora Eldorado, do engenheiro Francisco Aguiar Carneiro. A partir desse trabalho, ele pediu que nosso escritório - chamado Equipe 58, número do imóvel que ocupávamos na avenida Getúlio Vargas, em Belo Horizonte - estudasse o projeto do edifício Eldorado. Como havíamos feito com a obra do colégio, revezávamo-nos na viagem semanal à cidade, às quintas-feiras, num Caravelle, num voo de cerca de 50 minutos, para acompanhar o desenvolvimento da construção. Para conseguir levar o projeto adiante, tivemos que embarcar com a maquete do conjunto no Rio de Janeiro, com destino ao escritório do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que na ocasião era presidente do Conselho Administrativo do Banco Denasa. Kubitschek chamou o doutor Lucio Costa para aprovar nossa solução e manter o brise na posição que prevíamos, com o prédio abrindo vistas na direção do lago e do Eixo Monumental."
Alvimar Marchesotti Machado, arquiteto
Escola fazendária (1973) - Pedro Paulo de Melo Saraiva
"Quando me formei, tive a oportunidade de estagiar com Pedro Paulo, que estava participando da concorrência fechada do prédio da escola fazendária. Ele foi corajoso e chamou um bando de meninos não formados para trabalhar. Na equipe estávamos Henrique Cambiaghi, Sidney Meleiros Rodrigues, Sérgio Ficher e eu. Fiquei muito orgulhoso com a incumbência de desenhar as perspectivas. Logo depois fui fazer mestrado em Harvard, e os outros continuaram com o professor. Era a época do milagre econômico. E eu perdi justamente essa fase em que os arquitetos recusavam trabalho porque não davam conta da demanda. Quando voltei ao Brasil já era início dos anos 1980, a chamada década perdida."
Bruno Padovano, arquiteto
Praça dos Cristais (1970) - Roberto Burle Marx
"Em uma viagem a Cristalina, região próxima de Brasília, Roberto se impressionou com a forma dos enormes cristais. Estávamos iniciando o projeto da praça e ele decidiu usar a ideia desses elementos, me incumbindo de fazer a maquete a partir de um croqui. Os cristais foram executados em concreto aparente. Também é interessante na praça o uso de espécies da região de Brasília e o fato de ela ter um local para manifestações cívicas, por ficar diante do quartel. No ano passado, a praça foi restaurada pelo Exército, com muito empenho de um coronel, que nos procurou para tirar algumas dúvidas. Os cristais também foram recuperados, porque o concreto estava comprometido. Só que eles não deveriam ter sido pintados, deveriam ter ficado na cor natural do concreto. Mas é só esperar um pouco que a tinta se desgasta novamente e fica como Roberto gostaria."
Haruyoshi Onu, paisagista
Reitoria da UnB (1972) - Paulo Zimbres
"Quando fui reitor da UnB, entre 1985 e 1989, os alunos me proporcionaram momentos divertidos. Certa vez, durante uma reunião do conselho universitário, no prédio da reitoria, um estudante apareceu de camiseta regata. Eu o chamei para dizer que aquela não era uma roupa adequada e ele me respondeu: ‘Pô, Cristovam, tá ficando careta?’. Em outra ocasião, percebi que alguns estudantes estavam se aproximando, fazendo um panelaço para reclamar da comida do bandejão. Antes que eles chegassem até minha sala, chamei o garçom e pedi que ele me trouxesse umas panelas também. O grupo chegou pensando que ia me surpreender, mas eu é que os surpreendi e os recebi também batendo panela."
Cristovam Buarque, senador
SQS 203 (1972) - Milton Ramos
"Quando estávamos pesquisando para o livro A invenção da superquadra, em coautoria com Marcílio Mendes Ferreira, fiz uma entrevista com Milton Ramos. Ele falou sobre os projetos das quadras 400 e sobre pré-fabricação. Comentou também sobre o bloco C da SQS 203, no qual usou viga T para formar a laje. A solução permitia vencer o vão de fachada a fachada e estava associada ao isolamento entre pavimentos, a fim de promover ventilação cruzada. O projeto original tinha até um elemento de ventilação no teto para a saída da fumaça de cigarro, detalhe abandonado pela construtora. Depois é que Milton foi desenvolver os prédios de dois andares, feitos para os funcionários de baixo poder aquisitivo dos ministérios."
Matheus Gorovitz, arquiteto
Ginásio Nilson Nelson (1973) - Ícaro de Castro Mello e Cláudio Cianciarullo
"Nosso desenho do ginásio utiliza no partido estrutural um símbolo esportivo: uma cesta de basquete. O vão da cobertura, feita de alumínio, era um dos maiores do país, com 50 metros, se não me engano. O projeto foi desenvolvido por Hans Eger, o mesmo que calculou o Anhembi. Uma das características do ginásio é um fosso entre o público e os atletas, que utilizávamos nos estádios mas não era comum em ginásios, dividindo o uso sem ser muito acintoso. A inauguração foi bem representativa do Brasil de então: na quadra, uma apresentação de Garibaldo, Ana, Gugu, toda a turma de Vila Sésamo, que estava no auge; na plateia, num camarote, estava o presidente Medici."
Cláudio Cianciarullo, arquiteto
Sede do DNER (1974) - Rodrigo Lefèvre e equipe
"O projeto do prédio do DNER [atual DNIT] foi elaborado na Hidroservice, uma empresa de porte, que venceu a concorrência para desenvolver esse trabalho. Naquela situação não se falava em um autor, mas em equipes de criação compostas por arquitetos e engenheiros que trabalhavam juntos, um respeitando o ponto de vista do outro. Rodrigo Lefèvre era o líder da equipe de arquitetos. Uma marca fundamental de sua participação no projeto está nos quebra-sóis, que dão o ritmo de luz e sombra e conferem a característica formal mais importante do edifício. Lefèvre tinha convicções políticas contrárias ao regime e havia sido preso pelos militares. Quando saiu da prisão, em 1973, recebeu convite de João Rodolfo Stroeter para trabalhar na Hidroservice, onde foi calorosamente acolhido. A Hidroservice tinha grandes contratos com o governo militar e um cliente estatal começou a criar obstáculos à entrada de Lefèvre. Henry Maksoud, o dono da construtora, teve um gesto de coragem e rejeitou as pressões: ‘Na minha empresa mando eu’, respondeu. Foi assim que Lefèvre entrou para a Hidroservice, onde trabalhou até sua morte, em 1984."
Nelson Andrade, arquiteto
Residência Bettiol (1976) - Zanine Caldas
"É uma casa hospitaleira, lugar do bom convívio. Uma embaixada informal mesmo, como costumava dizer a Betty. Há 20 anos ou mais, sempre que havia uma exposição em Brasília era lá que nos reuníamos, aproveitando a generosidade do projeto de Zanine. Eu me lembro das conversas agradáveis com Tomie Ohtake e Aldemir Martins, por exemplo, na época de uma mostra sobre os artistas paulistas, ainda durante o governo Sarney. Zanine fez uma casa aberta, com conceito agregador e uma relação muito adequada com o meio ambiente. Tinha até um tucano que convivia livremente com a família e os amigos. Marcante ver, naquele contexto, o voo livre do pássaro ícone da brasilidade."
Gilberto Salvador, artista plástico
Escola Francesa (1978) - Oscar Niemeyer
"A maior parte das reuniões de que participei para encaminhar o desenvolvimento do projeto do Liceu Francês François Mitterrand (leia PROJETO DESIGN 356, outubro de 2009), que será implantado em Brasília, foi realizada na atual sede da escola. Nela há um painel de Athos Bulcão, que vamos remontar nas futuras instalações. E mesmo assim nunca me ocorreu que a Escola Francesa pudesse ter sido projetada por Niemeyer, ainda mais quase na década de 1980. São formas que pouco ou quase nada têm a ver com seus outros trabalhos na cidade. O desenho do edifício tem um quê de escola paulista."
José Tabith, arquiteto
Hospital Sarah Kubitschek (1976) - João Filgueiras Lima (Lelé)
"Lelé me cumprimentou por ter escrito o livro sobre Athos, disse estar emocionado porque finalmente o amigo recebia o crédito devido. Ele também me falou sobre as dificuldades que teve na primeira unidade do Sarah em Brasília; ele pediu ajuda para resolver a volumetria de uma escada sem graça e, em resposta, Athos transformou o espaço com o uso da cor. Daí em diante ele fez mais e mais nos hospitais, criou até elementos arquitetônicos. Athos é o desconhecido íntimo de Brasília, as pessoas nem têm ideia de tudo o que fez na cidade. A nouvelle vague foi uma de suas influências: grafismos, como o da parede atrás dos enormes pilares do Congresso, por vezes simulavam o tremido da câmara na mão ou a visão dinâmica, em movimento."
Agnaldo Farias, crítico de arte
Embaixada da Itália (1977) - Pier Luigi Nervi
"Eu acho que a Embaixada da Itália é uma resposta de Nervi ao Itamaraty: os dois têm plantas quadradas, ênfase estrutural e escala monumental. Em relação a este último aspecto, o embaixador italiano na época da construção, que era casado com uma brasileira, foi contra, achava o prédio grandioso demais. Mas creio que o projeto, diferentemente da maioria das outras embaixadas em Brasília, é um grande acerto. A minha preferida é a do México, mas é a Embaixada da Itália a que melhor aproveita a vista, com a casa do embaixador no último andar e os escritórios no penúltimo. Mas reconheço que os salões de recepção são um pouco acanhados."
André Corrêa do Lago, diplomata e crítico de arquitetura
Memorial Juscelino Kubitschek (1980) - Oscar Niemeyer
"Cobri, como jornalista, a primeira visita que o ex-presidente Jânio Quadros fez ao Memorial JK. Ele veio de avião até a cidade e ao desembarcar era visível que já havia bebido um pouco. Quando chegou ao memorial, Jânio achou que o busto de Juscelino estava no meio do espelho d’água e eu tive de segurá-lo para ele não cair lá dentro. Jânio e Juscelino foram adversários políticos. Dona Sarah me dissera que JK havia avisado: se durante a passagem da faixa presidencial seu sucessor fizesse alguma brincadeira, ia levar um soco na cara. E veja só: apesar das divergências, no dia da visita ao memorial, quando entramos na sala onde está o túmulo de Juscelino, Jânio exclamou: ‘Éramos tão amigos!’."
Alexandre Garcia, jornalista
Assembleia Legislativa (1990) - Projeto Paulista
"Eurico Ramos Francisco, Fábio Mariz Gonçalves, Lívia Maria Leite França, Luís Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Zeuler Rocha Mello de Almeida Lima eram arquitetos com fraldas quando venceram o concurso para a Assembleia Legislativa de Brasília. Eurico, Fábio e Maria do Carmo trabalhavam no escritório Rino Levi, do qual eu era um dos associados - eles tinham entrado como estagiários. Luís trabalhava no mesmo prédio - o edifício Jardim Paulista, na 9 de Julho -, no escritório de Joaquim Guedes. Eu sabia que eles estavam participando da competição e quando me mostraram pela primeira vez o desenho tive certeza de que iam ganhar. Era a arquitetura brasileira feita para Brasília, com um frescor de interpretação extraordinário, uma obra magnífica. Eles eram muito jovens e nós os assistimos com minutas de contrato, negociações com o cliente, advogados, enfim, na montagem de uma equipe realmente profissional, pois ali estavam arquitetos de muito talento."
Paulo Bruna, arquiteto
Posto de gasolina (1997) - Matheus Gorovitz
"Me chamar para a inauguração de um posto de gasolina! Isso é convite que se faça a alguém que você conheceu no sábado anterior, numa festa? Mas o que a gente não faz por amor... Matheus não é muito alto mas é lindo, e na festa havia me impressionado. Por isso, escolhi um sapato baixo e lá fui eu tomar parte na inauguração do posto da Petrobrás no campus da UnB. Curiosa com meu interesse por aquele que viria a ser meu marido, minha mãe quis ir junto. Eu disse: ‘Mãe, não fica em cima’. Ela foi, mas ficou de longe, na surdina, tentando decifrar quem era aquele sujeito. O posto era realmente impressionante e fiquei ainda mais encantada com o autor. Foi o primeiro trabalho de Matheus que eu vi e o posto abasteceu nossa relação, tanto que estamos juntos desde 1998. Cada vez que passo por ali, eu suspiro."
Dora Gorovitz, bibliotecária
Rede Sarah Lago Norte (2000) - João Filgueiras Lima (Lelé)
"Lelé é um homem de decisão. Já fiz várias visitas ao Sarah Lago Norte e, nos espaços internos, o mais impressionante é a forma como ele pensa a arquitetura. Não faz distinção entre o Palácio do Planalto e a Ceilândia, o custo da construção nunca é um limitador em seus projetos. Projeta para o homem, pensa até no acompanhante daquelas crianças que fazem tratamento na água. Acho impressionante a quantidade de piscinas do hospital. Que privilégio para nós, arquitetos moradores de Brasília, acompanhar essa grande e dinâmica biblioteca que é o conjunto dos edifícios do Sarah."
Gilson Paranhos, arquiteto
Pavilhão Anísio Teixeira (2001) - Cláudio Queiroz
"Quando assumi a reitoria da UnB, coloquei em prática um plano de reinstalação da universidade, que até então estava quase toda concentrada no Instituto Central de Ciências. Também restauramos o Ceplan, que fizera parte da criação da escola e fora praticamente desativado. O edifício projetado por Cláudio Queiroz integrava esse plano de expansão, que também levou a UnB até as cidades-satélites. O prédio é muito simples e foi praticamente todo construído com recursos da instituição. O nome Pavilhão Anísio Teixeira foi uma homenagem ao educador baiano, um dos idealizadores da UnB. Eu ficara triste quando o reitor anterior, ao dar ao campus o nome de Darcy Ribeiro, esqueceu que Teixeira tinha sido um de seus principais mentores. Também propus - e foi aceito - a concessão a Anísio Teixeira do título de professor emérito, um dos poucos concedidos pela universidade a pessoas mortas."
Lauro Morhy, engenheiro químico, ex-reitor da UnB
Casa na península dos Ministros (2002) - Isay Weinfeld
"Conheci o projeto dessa casa numa bienal de arquitetura, aqui em Brasília. Quando soube que a obra começava fui ao escritório de Isay, em São Paulo, pedir permissão para acompanhar informalmente a construção. Era um projeto muito diferente do que costumávamos ver na cidade: apesar da localização icônica, era extremamente simples, com linguagem de volumes contrapostos. Isso rendeu críticas negativas na época da exposição. Na obra, percebi como é absurdo o grau de detalhamento de Isay. Havia a mesma quantidade de desenhos do Hotel Blue Tree Park, de cuja obra participei. Foi surpreendente acompanhar a construção dessa casa feita artesanalmente, com componentes de primeiríssima qualidade."
Daniel Mangabeira, arquiteto
Ponte JK (2002) - Alexandre Chan
"Minha mãe, dona Sebastiana, é fã do Lenine, e foi por causa dela que usei parte de uma música dele em um rep (ritmo e poesia). Em vez de me processar, Lenine me convidou para participar do seu Acústico MTV. Juntei falas dele, das músicas ‘Jack sou brasileiro’ e ‘A ponte’, com o meu rep sobre a ponte JK. Se chama ‘Eu e Lenine (A ponte)’. O rep é um dos elementos do hip hop, trabalhamos com questões políticas, sociais, e na época em que fazia um disco a construção da ponte estava em evidência. Também a questão das escolas de lata, e eu, que tenho uma abordagem contemporânea, fiz o contraponto entre elas. Minha mãe ficou feliz, Lenine gostou, teve repercussão. Sensacional. A música, que falou por si, foi também uma ponte."
GOG, rapper
Estádio do Gama (2008) - Ruy Ohtake
"Eu já joguei algumas vezes no Bezerrão [nome pelo qual é conhecido o Estádio do Gama] e lá sempre tem a torcida pegando no meu pé. Sempre é aquela brincadeira: ‘Cadê o Túlio? Cadê o Túlio?’. E quando eu faço o gol a torcida do contra fica quieta. No meu jogo de estreia pelo Botafogo DF foi a mesma coisa. Eu entrei em campo com a camisa número 900, porque poderia fazer meu 900° gol, e foi aquela pressão. Eu fiz dois gols no jogo e quando saí do campo fui para o vestiário tomar banho. De repente apareceu uma repórter ali, querendo uma entrevista. Foi uma situação meio constrangedora, porque ela me flagrou quando eu já tinha tirado quase toda a roupa. Não perdemos tempo e dei a entrevista daquele jeito mesmo. Em compensação, ela acabou ficando com a camisa 900 que usei naquele dia."
Túlio Maravilha, jogador do Botafogo - DF
Casa Osler (2002) - Marcio Kogan
"Conheci o trabalho de Marcio Kogan através de uma revista. Sou funcionário do ONU e quase sempre estou fora do Brasil. Quando eu estava indo para o Timor Leste, em 2002, aproveitei uma passagem por São Paulo para marcar uma reunião com ele. Conversamos durante três horas e dois meses depois ele me mandou três desenhos com a ideia do projeto. Não havia planta, só um esquema de o que ficava onde. O projeto e a construção foram se desenvolvendo enquanto eu viajava. Começamos quando eu estava no Timor, depois fui para o Haiti, para o Sudão e agora estou de volta ao Haiti. Mas tudo correu muito bem. No Timor, como eu cuidava da construção de escolas, fui ajudado por uma equipe de arquitetos que tinham CAD. Por outro lado, a obra foi muito fácil: o engenheiro era bom e os desenhos de Marcio são bastante detalhados e completos."
Francisco Osler, oficial de assuntos civis da ONU
Casa LF (2003) - Gilson Paranhos
"De casamento marcado, eu queria ter minha casa, mas a situação financeira não me permitia sonhar alto. Gilson [Paranhos], um de meus irmãos arquitetos, sugeriu que eu negociasse um lote de madeira com uma tia, que era sócia de meu pai numa fazenda onde esse material estava guardado. Ele faria o projeto a partir desse material. Fui conversar com minha tia e acabei ganhando a madeira como presente de casamento. Gilson tem uma arquitetura mais moderna, mas eu queria algo tradicional, e a casa foi construída aos poucos, o que me transformou temporariamente em mestre de obras. Anos depois vendi a casa, e, por coincidência, quem a comprou foi uma filha de Matheus Gorovitz, que tinha sido professor de Gilson e de Paulo Henrique [Paranhos] na UnB."
Luís Augusto Paranhos de Paula e Silva, advogado
Edifício Antac (2004)
Brasil Arquitetura
"Quando recebemos a encomenda, ficamos assustados: nosso primeiro projeto em Brasília, e ainda por cima na W3. Nós nos formamos tendo como ideário toda a carga moderna do urbanismo da cidade, que aos poucos foi se vulgarizando com as construções novas. O projeto acompanha a regularidade externa dos prédios de Brasília, mas internamente ele traz uma surpresa, inspirada nas curvas de Niemeyer para o pavilhão da Bienal. O curioso é que essas curvas foram criadas antes da definição do sistema estrutural, e, como a construtora optou pela pré-fabricação, há uma certa contradição entre a liberdade do desenho e a precisão da estrutura. Assim como a utopia da cidade, o desenho é uma coisa e a realização, outra. Por isso as fotos da obra são mais significativas do que as do edifício pronto."
Francisco Fanucci, arquiteto
Fundação Habitacional do Exército (2005)
Danilo Matoso, Élcio Gomes, Fabiano Sobreira, Newton Godoy, Filipe Montserrat e Daniel Lacerda
"Vencedor da competição organizada pela Fundação Habitacional do Exército para a construção da sua sede, Danilo havia especificado vidro estrutural em determinada parte do edifício. No andamento da obra, o fabricante do material não quis assumir o risco do cálculo e foi preciso desenhar um montante para manter a solução. A convite de Danilo, fui, em outubro de 2009, conhecer o prédio. Tudo me parecia em ordem, mas percebi que a expressão dele se alterava completamente ao ver a solução executada. Obcecado por detalhes - como a maioria dos arquitetos quando se trata do próprio projeto -, ele parecia se perguntar ‘O que fizeram com isso?’, ao notar que o encontro em quina que ele havia previsto no montante estava diferente, algo que ninguém percebia. A distância entre desenho e execução são situações que enfrentamos; mas elas podem assumir ares de tragédia quando somos personagens."
Humberto Hermeto, arquiteto
Mercado Design (2006)
Paulo Henrique Paranhos
"Com peculiar arranjo interno, esse edifício de lojas ligadas à decoração se tornou palco para um número de mágica. Certa vez, enquanto aguardava o contato de um fornecedor no bistrô interno, vi um colega atender três clientes sem que nenhuma delas percebesse que estava dividindo o profissional com as outras. Ele aparecia e desaparecia, ia de uma loja a outra: escolheu o revestimento com uma e foi ao bistrô tomar um café; correu para a outra loja, examinou luminárias e retornou ao toalete, junto ao bistrô; em seguida foi até a terceira loja verificar se a bancada sugerida estava de acordo com o projeto, e ganhou um beijo da cliente (seria sua mulher?) antes de pedir licença para ir ao banheiro. Em vez disso, foi verificar o orçamento das luminárias, tomou um café no bistrô salvador e foi terminar a escolha dos revestimentos - e esta cliente também se despediu com um beijo caloroso (quem seria ela então?). Graças à ausência do mall tradicional e os dois acessos de lojas, articuladas nos fundos pelo bistrô e na frente pela praça externa, ele conseguiu, por motivos profissionais ou pessoais, desdobrar-se em três, como janelas do Windows abertas na tela do computador."
Leonardo Oliveira, arquiteto
Condomínio residencial (2006) - Paulo Henrique Paranhos
"Por natureza, engenheiros são indivíduos mais quadrados que arquitetos. Eu, engenheiro mecânico que trabalha com automação predial, tenho dois irmãos arquitetos, o Gilson e o Paulo Henrique, que chamamos de PH. Quando pedi ao PH que fizesse o projeto da minha casa, fui bem claro: ‘Quero uma casa com jeito de casa, onde pelo menos eu veja o telhado’. Por isso ele teve que se desdobrar para projetar a única residência com telhado no pequeno condomínio onde estão outras três, também desenhadas por PH. Uma delas é do próprio PH, outra de minha irmã e a terceira de uma pessoa que não tem parentesco com a família. Depois que o conjunto ficou pronto eu comecei a brincar com o PH, dizendo que a casa dele seria a biblioteca, a do João Ferreira o memorial, a de minha irmã, Maria Fernanda, o salão de festas. E a minha era casa mesmo."
Marcos Alexandre Paranhos de Paula e Silva, engenheiro mecânico
Estações de metrô 102, 108 e 112 Sul (2007) - Departamento de Arquitetura TCBR/Metrô-DF
"Eu havia feito um painel abstrato para a estação de metrô da Ceilândia e sugeri ao secretário de Cultura de Brasília, Silvestre Gorgulho, a criação de outro para a estação da SQS 108, que foi inaugurada em 2008. Eu já estava pensando no cinquentenário de Brasília e propus retratar algumas das obras de Oscar Niemeyer. Ele aceitou a ideia e sugeriu que eu também incluísse no painel a antena digital, trabalho recente do próprio Niemeyer ainda não concluído. O painel é uma pintura acrílica sobre tela, de 7,5 x 2 metros, dividido em cinco painéis menores. Fico feliz por vê-lo na estação, ele se relaciona bem com a arquitetura do entorno e ainda funciona como uma passarela para pedestres."
Marcos Decat França, arquiteto e artista plástico
Sem sombra de duvidas Brasília realmente é uma cidade excepcional, com obras arquitetônicas magníficas, um lugar que todo estudante de arquitetura ou até mesmo os arquitetos já formados devem visitar.
Tiago – Pirrô
Matéria retirada do site: http://www.arcoweb.com.br/
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